Em Lucas 15, e depois no capítulo 16, Jesus ilustra de maneira especial o tema da justiça própria, através de quatro parábolas. ( Leiam os capítulos 15 e 16 de Lucas, e se possível a nota anterior, "Matemática da Graça" )
As três primeiras são expressões cortantes, e dos dois gumes, do evangelho.
De um lado a amor imensurável de Deus: O pastor que larga todo o rebanho pela ovelhinha perdida. A alegria da mulher que gasta o que tem para festejar a moeda encontrada. O pai que anseia e sofre com o filho que foi-se com parte de seus bens, e então festeja quando o mesmo volta arrependido e falido.
Mas essas parábolas também mostram a inveja, o recalque e a ira despertada nos que escolheram agradar a Deus com seu esforço, com sua justiça própria. Estes não se identificam com o filho pródigo, antes se sentem injustiçados tal qual o irmão mais velho. Estes entedem como irresponsabilidade a atitude do pastor que foi atrás da ovelhinha e da mulher que festejou a moeda encontrada. Para estes Deus não poderia traí-los com tamanha generosidade: -- Se essa gente é amada por Deus, se essa gente vai para o céu, então de que valeu meu esforço todo?!?
Mas a quarta parábola, a do administrador infiel, parece destoar das demais: o dono do negócio ouve dizer que seu administrador esbanja seus bens, e por precação, lhe demite. O administrador, sabendo que não teria do que viver, aproveita o aviso prévio para "renegociar" algumas dívidas. Quem devia 100 potes de azeite passou a dever 50, quem devia 100 tonéis de trigo passou a dever 80. "Se me deverem favores sempre se sentirão constrangidos a me ajudar", pensou ele.
Ora, o que Jesus quis dizer com essa parábola de generosidade interesseira, de generosidade invertida?
Ora, os fariseus, a elite dos "santos" religiosos do dias de Jesus, estavam murmurando por ver Jesus se misturando e partilhando o pão com pessoas desqualificadas, os coletores de impostos que trabalhavam para Roma e outras pessoas de má fama. É daí que surgem as parábolas da Graça de Deus e é especialmente para esse grupo que Jesus lança a parábola da generosidade invertida do administrador infiel.
Eles, os fariseus, eram extremamente mesquinhos. Lucas diz que eram "famosos pela sua avareza"... Interessante que este é um sintoma comum em santarrões, nas pessoas que se acorrentam nos sistemas de regras religiosas. Como para eles nada lhes é permitido e sempre estão perdendo algo, como não "aproveitam" a vida, nasce neles a síndrome dos coitadinhos. E estes não podem sair perdendo, porque já perderam demais. Estes tem de aproveitar todos os momentos para diminuir a diferença, reduzir a desvantagem. Estes são os famosos pela sua avareza...
E é por isso que todas essas parábolas tem uma conotação de perda financeira. Todas elas são um mal negócio. Todas elas são uma proibição, quase um tabu, para quem não aceita nem a hipótese de sair perdendo, quanto mais de tomar um prejuízo daqueles... Imagine, redividir a herança com irmão vagabundo. Imagine, abandonar à sorte todo um rebanho por causa de uma ovelhinha matreira que gosta de comer a grama do vizinho.
Mais a parábola do administrador infiel é diferente... É praticamente um apelo à generosidade para os fariseus.
Sejam generosos, mesmo que comecem pela generosidade mesquinha, mas sejam generosos, porque ninguém que vive adorando ao dinheiro consegue fazer amigos, ninguém que se entrega a necessidade de acumular para compensar sua frustração perante a vida consegue ser feliz, antes mais escravo do dinheiro fica, num processo de retro-alimentação que torna a pessoa "famosa pela avareza"...
E quem observa a vida sabe muito bem que ninguém gosta de estar acompanhado de um mesquinho. Ninguém gosta da presença de um avarento. É estranho, mas a avareza, que é a anti-graça, tem o poder de fechar todas as portas a sua volta. É como se o amor ao dinheiro tivesse a força de repelir a todos para que o avarento não dividisse sua confiança em mais ninguém além da confiança ao próprio dinheiro.
Essa parábola também é uma admoestação aos que se dizem discípulos de Jesus.
Se o administrador infiel, cuja confiança estava no dinheiro, soube ser generoso por causa de seus interesses, então porque nós não somos generosos?
Nós, os que dizemos não necessitar de riquezas porque o status, a aparência bem sucedida perante a sociedade, não nos é importante, somos então generosos, mesmo?
Ou dependemos tanto assim do deus-dinheiro? Ou realmente trememos de medo de passar necessidade na vida, de sermos desamparados por Deus?
Não estou convocando ninguém para vender sua casa e distribuir o dinheiro em um orfanato. Não estou aqui para dizer a ninguém o que fazer, não sou nem quero ser o super-ego de ninguém. Apenas digo o que ouço de Jesus para comigo.
Leo, seja generoso. Ajude os necessitados.
Um guia jordaniano, em uma excursão que fiz, se apresentava da seguinte forma: "Me chamo Akram, que em árabe significa generoso... Não é akrã" (como se nós fossemos hispânicos para não entender a diferença entre o ã e o am), "é Akram. Akrã significa escorpião. Mas sinceramente eu prefiro ser um escorpião a ser generoso." Bom, esse rapaz morreu umas semanas depois, em um acidente de carro.
Longe de mim lançar juízo sobre esse rapaz, só Deus sabe o que se passa em nossos corações e com certeza Ele é generoso para não nos deixar partir dessa vida sem a chance de escolhermos a Verdade, podendo enxergá-la com clareza, nem que seja nos microssegundos finais da existência. Mas a ilustração é valida: se eu ou você partíssemos hoje dessa existência, de que valeria nosso cuidado com nossos bens, com as coisas que não são vida, com o cuidado do que é passageiro?
Por outro lado, esse não é um convite de Jesus para sermos generosos com o que é dos outros, rs. Eu dou do que é meu, e confio em meu Pai para suprir minha necessidade, logo não preciso tomar o que é do outro.
No evangelho é sempre assim. Buscando a justiça do outro, não a minha, buscando o bem do próximo, em detrimento de mim, assumindo o risco de morte por conta da pregação do evangelho, para que outros tenham vida.
Quando paro de preocupar-me comigo, por conta de saber-me cuidado por Deus, e uso os dons que tenho para a ajuda do meu próximo, uma coisa começa nascer em mim.
Generosidade... Mas pode chamar de amor. Pode chamar de Jesus.
Termino esse texto com as palavras de Jesus, ao final da parábola do administrador infiel:
Portanto, Eu vos recomendo: Usai as riquezas deste mundo ímpio para ajudar ao próximo e ganhai amigos, para que, quando aquelas chegarem ao fim, esses amigos vos recebam com alegria nas moradas eternas. Quem é fiel no pouco, também é fiel no muito, e quem é desonesto no pouco, também é desonesto no muito. Assim, se vós não fores justos em lidar com as riquezas deste mundo ímpio, quem vos confiará a verdadeira riqueza? Se, portanto, não vos tornastes dignos de confiança em relação ao que é dos outros, quem vos dará o que é vosso? Nenhum servo pode devotar-se a dois senhores; pois odiará um e amará outro, ou dedicar-se-á a um e desprezará ao outro. Jamais podereis servir a Deus e ao Dinheiro!
Amém!
Leo