A primeira menção sobre o dízimo, na Bíblia Hebraica, ou no "Velho Testamento", como quiserem chamar, se dá com Abraão, que depois de vencer uma guerra, dá 10% dos pertences dos vencidos (mortos ou fugidos) para Melquisedeque, que foi um homem que apareceu do nada, sem antecedentes, sem ascendência, sem pedigree, era apenas um sacerdote, e reconhecido como tal por Abraão, recebeu os valores de sangue. O autor de Hebreus o considera uma representação do próprio Jesus!
Depois disso, voltamos a ler sobre o dízimo quando Moisés faz a partilha de Canaã, deixando os filhos de Levi sem herança: eles seriam os sacerdotes da nação israelita, e receberiam o dízimo de seus irmãos, para sustento. Ali Moisés cria uma espécie de funcionalismo público, com funções puramente religiosas, numa época, claro, em que cabia à religião o ensino da Lei (que era o que para nós é a Constituição, o código penal, etc), a aplicação da Lei, o ensino da civilidade, etc.
Ao longo do tempo, o dízimo parece não ter sido uma prática muito comum no dia a dia das tribos israelitas, na verdade, muito das regras colocadas por Moisés não vingaram em boa parte da história dos hebreus.
Bem, o povo israelita cresce, e a contragosto de Samuel, e de Deus também, adquire a forma administrativa (e muitos vícios) dos povos ao redor. Cria reis, dirigentes, fazem-se escravos de pessoas que eles elegeram para que os dominasse para sempre, e, óbvio, começam a pagar impostos. Por causa da alta carga de impostos, há uma divisão nacional depois da morte de Salomão, e as tribos vão se esfarelando.
Algumas centenas de anos depois, as tribos do norte são levadas em cativeiro para Nínive, se misturam aos assírios e depois aos povos que tomaram seu lugar na Samaria. As tribos do Sul, Judá e Benjamim, são levadas mais tarde para o cativeiro da Babilônia, ficam por lá 70 anos, onde são curadas da idolatria, onde criam a instituição da Sinagoga, e onde a partir de então começa-se a ensinar a Torá (a lei de Moisés) de forma sistemática.
Porém, o país está destruído: todo sistema agrícola, comércio, fundições, etc, tudo é precário. Nada é sombra daquele reino Davídico, onde os barcos fenícios, aliados de primeira mão dos judeus, ao comando de Salomão, dominavam o comercio no mediterrâneo. Até hoje faz-se suposições sobre onde estariam as famosas minas de ouro de Salomão, se na África, na Ásia ou até mesmo na Amazônia...
Com a volta do povo, pouco a pouco, Esdras e Neemias vão reconstruindo a cidade. Primeiro os muros, para que os povos ao redor, não os destruísse. Depois, a reconstrução do Templo. Tudo demorou muito, a vida era difícil e ninguém queria contribuir, ninguém queria ajudar. Sacerdotes, que recebiam os dízimos e ofertas no Templo, não os repassavam aos levitas, que viviam em estado de penúria. Viúvas e órfãos eram tratados como seres invisíveis. Os homens estavam se casando com mulheres da terra, não-judias, e, os judeus que eram poucos, iam perdendo seus laços culturais como povo.
É exatamente neste contexto que o livro de Malaquias é escrito! E é com este contexto que se deve ler e entender o porque do que está dito ali!
A questão do divórcio... Tem sua gravidade aumentada quando se imagina que o povo vai se desmanchar.
O roubo dos sacerdotes... Esse, continua tendo algo contemporâneo...
E o dízimo? Ora, essencial! Era o imposto que fecharia as brechas das muralhas! O devorador, tão propalado pelos atuais pregadores da teologia da prosperidade, não era algo metafísico, eram hordas de povos que ocuparam a região e que não queriam perder seu espaço! Além disso, o dízimo de Malaquias era a chance de se fazer alguma justiça social, protegendo na medida do possível as viúvas, os órfãos!
E o dízimo em nossos dias? O que Jesus falou a respeito?
Jesus não falou nada. Aos judeus que davam o dízimo, não os repreendeu, não por isso. Os fariseus, por exemplo, que davam o dízimo até dos temperos de suas hortas, foram severamente repreendidos por Jesus porque não passavam, no fim das contas, de um bando de sovinas mesquinhos. Passavam o dia na casa de viuvinhas a pretexto de prolongadas orações, mas o que queriam mesmo era encher a barriga para não gastarem dinheiro com comida. Entregavam seus bens ao Templo, com escrituras defeituosas, só para poderem resgatá-los quando seus pais morressem; isso servia de desculpa para não ajudar os pais enquanto fossem vivos...
Jesus pagou o imposto das duas dracmas, que era cobrado em todo país pela polícia dos Saduceus, "donos" do Templo. Pagou apenas porque Pedro prometeu aos guardas que ele faria isso, porém Jesus deixou bem claro que Ele não tinha nenhuma obrigação quanto a isso.
No mais, vemos Jesus nos chamando a ser generosos, cuidar dos desvalidos, dos que não tem como nos retribuir. Nos chama a sermos bons, a amarmos de forma prática o próximo, a fazermos aos outros o que gostaríamos que fizessem conosco. Ele conta a parábola do bom samaritano, Ele conta a parábola do rico e do mendigo Lázaro... Para alguns Ele dizia "venda o que tens e dai aos pobres, depois vem e siga-me", para outros ele apenas dizia para dar testemunho dEle entre os seus.
Jesus recebeu ajuda financeira de várias pessoas. Parte disso, Ele e seus discípulos usavam para o sustento cotidiano, parte era usado para ajudar os pobres.
Mais tarde, na Igreja constituída, vemos as pessoas vendendo tudo o que têm, em Jerusalém, e depois, alguns anos mais tarde, experimentando a pobreza e recebendo a ajuda das igrejas da Grécia, através de Paulo.
Paulo dizia que Deus ama ao que dá com alegria. Ele mesmo, touro indomável do Evangelho da Graça de Deus, preferia ser sustentado pelos irmãos enquanto se dedicava completamente ao ensino dos irmãos. Mas houve muitos casos em que ele teve de trabalhar, e dedicar-se ao Evangelho no tempo que sobrava.
Nos evangelhos, não temos mais relatos a respeito disso. E nem precisa. Se você entender, de verdade, a mensagem de Jesus, se você quiser ser generoso com teu próximo, se você permitir que o amor de Cristo lhe constranja a ponto de você não aceitar que o outro sofra enquanto você se farta... Ora, dízimo é até pouco... Digo em relação ao próximo, não em relação a donos de agências religiosas.
Agora, se você crê que existe uma agência de Deus na Terra... que vai fazer as funções de governo do seu dinheiro... Então dê seu dinheiro a esse pastor, a esse padre, etc. mas não se condoa de medo de ser amaldiçoado caso venha a não fazer. Não pense que há uma contrapartida divina, que isso é investimento...
Deus nos chama para a Luz, não para as trevas.
Seja generoso, e esse espírito, que é contagiante, inundará os corações de muitos a seu redor de generosidade...
Seja amável, seja honesto, seja grato a vida e ao próximo, e você colherá, ainda nesta vida, muito de tudo que você está plantando. E mais, muitos que você nem imagina, colherão também!
A riqueza prometida por Jesus é intangível, é feita de paz, amor e amigos de toda uma eternidade.
Quem gosta de grana não entende isso.
Leo
Macaé, 29 de março de 2016