sábado, 3 de março de 2018

A puta e o profeta

A alguns anos atrás, dei carona para duas professoras quando voltava de Macaé para minha casa. Bem, pensei que eram professoras. A que sentou no banco da frente disse de pronto: "não somos professoras, somos putas mesmo". Aproveitei o que então era o mais próximo que havia chegado de uma prostituta e perguntei como elas haviam começado, o que pensavam da vida, quando parar, vergonha dos pais, etc. Deixei-as num ponto de ônibus em Italva e continuei minha viagem pensando no profeta Oséias.

Oséias foi o profeta que se casou com uma prostituta, a mando de Deus... O que é uma loucura. Eu não me casaria com uma prostituta nem se Deus mandasse, da mesma forma como não mataria meu filho a mando de Deus. Outros tempos... O escritor de Hebreus diz que Abraão, o amigo de Deus, só se propôs a fazer isso porque acreditava na ressurreição. Graças a Deus tenho Jesus em quem me espelhar. 

Voltando ao profeta Oséias, ele se casa com essa prostituta, eles tem três filhos, mas parece que algo não vai bem: o primeiro se chama Lo-Ruama - amaldiçoado - enquanto outro tem o nome associado a uma chacina e o terceiro a um adultério. Gozer (é o nome dela) sai de casa para viver do sustento de seus amantes, mas ela já não é aquela menina de outrora, e quem a sustenta secretamente é Oseias, deixando comida e coisas do dia a dia na porta de sua casa. Ela não sabe e atribui os presentes a seus amantes. Quando suas dívidas tornam-se impagáveis ela é feita escrava. Fazendo inveja a Nelson Rodrigues, lá está Oséias.  Ele a compra pelas simbólicas 20 moedas de prata, presentes em toda a Bíblia até seu momento final na traição de Jesus por Judas.

Pode parecer inalcançável a nossas mentes, mais o amor de Deus tem essa dimensão "cachorra", mendicante, humilhada, inaceitável, recriminante! Os gregos achavam que pessoas neste estado estavam doentes, daí paixão derivar de phatos. Na idade média, os povos latinos amarravam uma cabeça de boi nos homens que não matassem suas esposas adúlteras, daí o traído ser chamado ainda nos dias de hoje de corno, chifrudo, etc. Oséias explica em seu livro que sua vida era uma grande parábola do relacionamento de Deus com a humanidade. Deus é o marido que ama com paciência uma esposa que não lhe retribui afeto, nós somos a esposa prostituta que abandona o marido e depois quebra a cara, tal qual a parábola do filho pródigo, quando então Ele nos resgata, como Jesus viria a fazer séculos mais tarde, na cruz. Em Oséias, Deus mostra sua capacidade de enlouquecer de amor por gente que não presta, que não merece. Também vemos o resgate da figura do traído: uma exaltação ao amor de quem é bom paro seu cônjuge, não a imputação de culpa de quem não adivinhou estar sendo enganado.

 Já meu Senhor Jesus trata esse tema com muita leveza, dando aos pecados ligados aos sexo o peso que realmente tem: foi traído, não consegue perdoar? Separe-se! Se acha melhor que alguém que traiu a esposa? Olhe para si mesmo, porque algumas pessoas, apesar de não adulterarem de fato, só pensam naquilo... Já com os traidores ou com as prostitutas a postura de Jesus foi a mesma que teve para com todos, afinal cada um tem seus defeitos: arrependa-se, mude, escolha o bem!

 Para muito além disso, Jesus demonstra o louco amor de Deus na forma como acolhida a todos, especialmente os que ninguém queria. Os religiosos, que haviam materializado os códigos morais vigentes,  se escandalizaram com essa postura. Jesus os respondeu com lindas parábolas de um Deus amoroso que ama como seu profeta delirante. O livro de Oséias termina com um final feliz: Ele e Gomer ficam juntos, e amadurecidos pela dor, são a seu modo, felizes. De fato, sejam quais forem os defeitos e erros de um casal, só há um único caminho para a felicidade: o perdão, diario, irrestrito.

Léo
Fazenda Peroba - Italva
3/3/18