sábado, 8 de março de 2014

Compensações

A história do Carnaval remete às festas de embriaguez, glutonaria (que é comer, depois vomitar, e aí comer mais) e orgias promovidas pelas sacerdotisas de diversos templos na Grécia, em homenagem ao Deus do Vinho Dionísio. Não que este tipo de festividade já não acontecesse em diversos povos, culturas e tempos... O próprio Moisés presenciou seu povo com saudade do Egito, promovendo uma festa ao Bezerro de ouro. É, era uma festa de orgias...
Os Romanos tinham sua própria versão do Deus do Vinho: Baco. As bacanais, introduzida pelos gregos, eram festas secretas onde mulheres se entregavam aos “mistérios báquicos”, que se resumiam, como na Grécia, a êxtases proféticos induzidos pelos excessos sexuais. Isso virou uma febre na Itália, em especial entre as Patrícias, as mulheres da alta sociedade romana, a ponto do Senado proibir essas festas. Claro que elas continuaram, de forma ilegal, em toda República, inclusive com perseguição religiosa (e sentenças de morte) a esse culto, até que foram se perpetuando entre os Legionários Romanos, quando voltavam para casa, depois de 5, 10, 15 anos fora. Havia até vomitórios coletivos para esse fim...


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 Os discípulos de Jesus do segundo século já haviam adquirido o hábito de reunirem-se no domingo, ao invés do sábado, basicamente para evitar problemas com o Império Romano, depois da criação das leis anti-judaicas feitas por Adriano (135 DC), em retaliação a Segunda Grande Revolta dos Judeus. Enfim, os Cristãos, inicialmente os de Roma, passaram a se reunir no dia do Deus Sol-Invictus porque esta era a data semanal mais propícia, posto que a maioria dos Romanos do segundo século a usavam para o culto do Deus Sol (a divindade mais popular em Roma no sec. II). De fato, como a perseguição aos Judeus foi muito grande nesta época, até a Pascoa Judaica, celebrada pelos Cristãos como símbolo da Ressureição de Cristo, foi transferida do Sábado para o dia do sol (sun-day), domingo. O importante, na verdade, não era a data, mas a chance do encontro.
Com o afastamento lento e progressivo da fé em Jesus ao longo do processo de institucionalização do Cristianismo, dias santos e celebrativos ganharam importância em detrimento da fé simples, diária, que marcava os do Caminho. Inventaram-se datas para o nascimento de Jesus (25 de dezembro, nascimento de mitra, sol-invictus), dia de Reis, Corpus Christis e uma infinidade de dias santos, a Páscoa ganhou importância, tanta, que até a sua "preparação" de um ou dois dias de jejum se transformou em quarentena (quaresma), sacramentos foram criados, transformando aquelas reuniões ingênuas do primeiro século, um simples partir do pão e do vinho  que lembravam a morte e a salvação em Cristo em um ato solene, ministrado por um sacerdote, onde o pão se transforma no corpo de Jesus... Até o domingo ganhou ares de sabath mosaico, sacro...

Até as bacanais, que nunca deixaram de existir, apesar das proibições, ganharam seu espaço oficial, no que é o carnaval, ou Carna a valle. Prazeres da carne.


Afinal, se na quaresma não se pode comer nada, nem sua própria esposa, então, se é assim, é melhor que façam o que fizerem antes da quaresma. 


Não existe freezer, a carne vai extragar, quarta começa o jejum... Terça Gorda! Mardi Grass! Carna a valle!


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Enfim, a alma busca compensações quando se desvia de seu curso... Especialmente se estas compensações forem feitas por outros.

Se uma reunião simples em torno do nome de Jesus não possuir ali Seu Espírito, ela se torna algo tão sem sentido que se faz necessário compensá-la com algum tipo de imantamento.

Quaresma? Jejum? Uma dose de Carnaval para aguentar o tranco, por favor!


Compensações se fazem necessárias... E os que sentem coitadinhos... Ih, esses podem tudo.

A alma se desvia de seu curso toda vez que se permite guiar pela necessidade de validar a imagem que esperam dela, que esperam de seu grupo; pela propaganda enganosa de si mesma, pelo culto a sua própria imagem...

Ora, se assim procedo, me torno um infeliz, um frustado... Até que a pena, a auto-comiseração tomem conta de mim.


Quando isso acontece... É como se ganhar o direito a certos prazeres, certas regalias, certas "coisas boas da vida"... Posso pecar contra minha consciência; ah! Já sofro tanto com essa vida...


Claro que este texto não foi escrito para os foliões do carnaval 2014... Afinal, nem quaresma existe mais. 


Mas esse texto foi escrito para todos nós, que dizemos seguir o Amor, seguir a Jesus, e que o tempo todo nos pegamos em pequenos atos de auto-sabotagem, de pequenos cultos a imagem, de pequenos direitos adquiridos pelo muito sofrer por Jesus...


A todos nós eu digo: Não! Parem! Deixem a luz entrar, revelar quem vocês são! Não se submeta a esse culto a imagem, apenas viva o evangelho com sua melhor consciência, de forma que o Amor (mesmo que pareça demorar) o preparará durante a caminhada, mesmo que seja a caminhada de um manco, de um aleijado, mas seja o que for, seja para honra e glória de Deus.


Do contrário, o evangelho se transforma em um fardo pesadíssimo de culto a imagem, e uma hora a alma pedirá: carna a valle


Mas mesmo nessa hora, eu espero e oro, que você escolha a Ele.


Leonardo Cordeiro

Italva, 08/03/14